Retrato de Fred Ross – César Santos
A vida me escoa pelas mãos
Como um pensamento que se perde
Ao se acordar de um sonho.
Quisera eu jamais acordar de todos os sonhos,
Quisera viver a completude,
Aquilo que é todo o meu desejo.
Mas, enfim, vivo o que me seja possível
E nem um dedo além,
Nem que isso seja um dedo amputado.
Guardo em mim todos os meus sonhos
E os do mundo inteiro.
Talvez por isso, seja tão perturbada a minha alma.
Talvez…
Ou simplesmente o é por ser minha alma
E nada mais profundo que isso.
Nada tão filosófico e excepcional
Que mereça reverências ou estudos.
Apenas minha alma…
Tenho desistido da vida
Mais fácil do que quem abandona uma mulher leviana.
Talvez quem o faça possa ter perdido alguma recompensa,
Porém minha vida tem por tesouro a desilusão.
Não passa de uma caixa de Pandora.
Mais próximo a um gesto obsceno
Do que propriamente algo de mínimo valor.
Outro dia, despretensioso, caminhava pela calçada,
Quando um brilho, junto ao meio-fio, me chamou a atenção.
Era um pequeno crucifixo, que, creio, se rompera de um colar.
Nele a fatídica imagem de um Jesus torturado.
— Por que adoram tais coisas?
Já não nos bastam todos os males deste mundo?
Não sei por que replicam indefinidamente
Tal gesto de tamanha crueldade e gozam com isso.
Na cruz não há deuses,
Apenas homens vilmente torturados —.
Continuei meu caminho após tomar a cruz na mão.
Não cabia em meus ombros,
Nem sobre a que já carregava.
Não haveria a ela de acrescentar ainda mais peso
Por tão banal filosofia.
Apenas segui e não pensei mais nisso.
Não há mais nada que deveria sentir,
Pois tenho acumulado sentimentos
Como um guri que junta figurinhas
Numa coleção que jamais se completa.
E quanto mais eu o faço
Mais tudo transborda de mim,
Feito inundação que devasta a terra
De todos os meus desejos e sonhos.
E quando tudo se acalma,
Olho ansioso pelo postigo
Da porta de minhas esperanças
E só consigo ver devastação.
Não é minha intenção declarar somente tristezas
E parecer que somente declamo dor e desgraça,
Que minha vida seja assim tão malfadada.
Para quem se arrasta travestido
Dos andrajos das sensações e emoções,
Que tolda a visão além da janela de seus limites
Com os andrajos das cortinas de suas impotências,
Que se alimenta de tamanhas vicissitudes,
Não sou feliz, mas não de todo desgraçado.
Tenho a poesia — ou ela me possui por completo,
Acho isso mais sensato.
Uso dos versos para dialogar comigo
E o universo inteiro e todos os seres.
Vem o vazio,
A embriaguez dos versos passa.
Durmo a hora, dispo a farsa.
Volto ao nada de mim.
S. Quimas