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Eu vivo em um buraco escuro

Órion - Nebulosa "Cabeça de Cavalo".

Órion – Nebulosa “Cabeça de Cavalo”.

 

Eu vivo em um buraco escuro
Que se chama minha alma.
Mas minha alma é um céu noturno
Povoado de infinitas estrelas
E de todos os corpos celestes
Que nela possam caber.
Vivo a atemporalidade
De saber-me outro a cada momento,
Um caleidoscópio que gira
As eternas peças de meu destino;
De perder-me em mim mesmo,
Tamanha a infinitude de cada descoberta.
Vivo assim, descabido,
Tremendamente renunciando
A tudo que seja cerca,
Que se faça muro,
Que limite a contemplação de horizontes.
Não sou montanha,
Não tenho grandezas,
Sou de hábitos simples.
Prefiro a serenidade dos regatos
Que alimentam as florestas.
Prefiro o silêncio dos campos
E o marulhar de ondas em praias
Que quase não foram tocadas.
Eu vivo porque vivo
E assim simplesmente.
Sem o garbo de promessas
Que jamais se cumprem,
Sem a leviandade de crenças,
Que só trazem alienação.
Vivo minha inteira, nua,
Chocante realidade,
Minha profunda verdade.
Vivo o que vivo
E aquilo que a vida me dá.
Sou às vezes transgressor,
Confesso.
E se da vida tenho algo
É porque dela tenho furtado
Todos os imensos sonhos
E todas as mais caras fantasias.
Afinal, não sou poeta?
E de tudo o que é sonho
E as mais descabidas fantasias,
Não se repleta o meu ser?
Assim sigo.
E vivendo o viver,
O tempo passa.
Um dia me apago
Em luz de estrela que há de brilhar
No eterno infinito.

S. Quimas

 
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Publicado por em dezembro 30, 2016 em Poesia

 

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Eu não penso

Mendigo, sem-teto.

Eu não penso,
Mas logo visto.
Visto em mim as vestes do contrassenso da humanidade,
Despido de certezas e das verdades,
Essas tão caras a todos
Que amam o absoluto de sua hipocrisia.
Não sou poeta?
Se o fosse poesia faria.
Faço a exaltação em palavras
Do arremedo de meus sonhos
E escarno em versos as minhas imensas feridas.
Perdoem-me aqueles que esperavam de mim
Algo que não a pequenez de tudo isto.
Não sou profeta, não sou Deus,
Nem sequer religioso sou,
Quanto mais divino.
Sou quimera, caixa de Pandora,
Vim destruir a comodidade,
Não por ser absolutamente a Verdade,
Essa falácia conceitual.

Gritam-me que sou niilista,
Não sou.
Niilista é quem se condena a seus conceitos pétreos
E não é capaz de arquivá-los nas nuvens
De sua transformação.
Quem não percebe o momento
E o caleidoscópio que é a vida.
Sou contemporâneo de minhas paixões
E ancião de meus desejos.
Tudo se esvai como tudo se esvai,
Assim como a água que se escoa em um rio.
Haverá o rio de abraçar o mar?
Quem sabe? Muito rio simplesmente seca.

Não há pessimismo em mim.
Não vejo sentido em sê-lo
E nem em ser de todo modo otimista.
Há, sim, uma gravidade em compreender
Que a vida é apenas o que é
E exatamente… Mais nada!
Mesmo que ruminemos sonhos e regurgitemos esperanças,
A vida segue como ela é.
Simplesmente porque é a vida que vivemos,
Seja bela ou uma triste carranca
É a que temos.
Quem poderá sorrir
As lágrimas que jamais sentiu
Escorrerem por sua face?
Não há lembrança e risos
Daquilo que jamais se viveu.

Cheguei à conclusão
Que de certa forma somos insanos
E somos melhores quanto o mais somos.
Gente dita normal
É um engano na criação,
Só perturba o êxtase de quem
Goza em profundidade com as estrelas.

Caminho farto de tudo isso
E o mundo para mim
Não passa de uma coleção absurda de equívocos,
Um triturar de solidões regadas de abraços
Sem a profundidade do desejo e do sentimento.
O mundo é uma coberta esfarrapada,
Um andrajo fedorento de boa estampa,
Que mal cobre e aquece
O mendicante deitado
Na sarjeta de suas crenças.

S. Quimas

 
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Publicado por em abril 12, 2016 em Poesia

 

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Meus melhores poemas são curtos e grossos

Rembrandt van Rijn - A ressurreição de Jesus

Rembrandt van Rijn – A ressurreição de Jesus

Meus melhores poemas são curtos e grossos.
Quase frases, balbucios…
Muitas síncopes e silêncios,
Palavras que dizem algo indefinível,
Coisas de significado duvidoso,
Absurdos e controvérsias,
Esgares de uma insanidade impublicável.
Mas são poemas.
O fino extrato
Da mais imensa poesia.
O que lhes falta em sílabas, rimas e versos,
Transbordam-lhes em sensibilidade.
Minha mente não é reta,
Deveria ter dito tal
Em confissão a um padre obscuro
Encarcerado em sua gaiola no confessionário,
Ou ter dito apenas
O tudo a ser dito e mais absolutamente nada.
Mas não…
O poeta é maldito
E lavra poesias atrás de outras,
Feito vulcão que não cessa de cuspir fogo pela boca.
É assim o desejo de tão falar,
Que já não diz nada em absoluto
Com a pretendida coerência.
Melhor dizer da essência
E calar tudo o mais.

S. Quimas

 
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Publicado por em fevereiro 13, 2016 em Poesia

 

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Em algum canto de minha alma

 

Gaivotas

Em algum canto de minha alma
Busco silêncio e calma e não controvérsias.
Em algum lugar em mim
Há paisagens lindas, só calma.
Todos os dilúvios já passaram
E só restou a mim mesmo.
Contraponto do contraponto
De minhas todas crenças.
Algoz de minhas parcas virtudes,
Ser de uma inconstância de fazer inveja ao céu e suas nuvens.
Caleidoscópio.
Pedras que se movimentam no mistério,
Produzindo sempre outra imagem.
Apenas um jogo de espelhos,
Mas que jogo bem jogado!

O poeta sente,
Porém num jogo sem sentido.
Sente assim intenso e completamente.
Sente o que sente e todo os não sentidos da vida.
Outrora, havia razão… Hoje?
Hoje é apenas o prenúncio do amanhã.
Um tempo que não passa.
E, se passa, passa e se não percebe,
Ou se se percebe muitas vezes não se vive de fato.
Não por completo,
Não com a devida intensidade.
Nada há de razoável agora,
Só imenso delírio.
Completo castigo e prisão temporal.
Não duvido de nada,
Pois tudo é imensamente absurdo.
Como não poderia ouvir o grito de todas as coisas,
Acaso sou surdo?
Contudo, vejo que somente eu ouço,
Como um louco alucinado,
Um fadado a ouvir em mim todas as vozes
E ser intérprete do mundo.

Meu barco nem boa quilha tem,
Mas ainda assim navega.
Vem rompendo as esquinas e becos
Onde meu corpo se arremessa.
Corpo trôpego, movido de essencialidade.
Não seria mais simples ser superficial?
Para quê tanta filosofia e abstração?
Viver é isso?
Não. Talvez não.
Mas é o meu.
Um caminhar por estradas de pedra,
Um rebolar mais que o rebolado das meretrizes,
Um dizer pelo não dizer
E um afirmar contido de toda a incerteza.

Busco a vida,
Mas a morte é o meu fado.
Ao menos do andrajo que carrego,
O corpo que suporta meu espírito.
Tenho buscado pessoas neste mundo
Que sejam tão verdadeiras quanto os cães que vadiam na rua,
Porém não há.
Todos têm algo de oculto, de mistério,
Algo que se vela através de suas desilusões.
O mundo é imensa cortina
Que recobre a insuficiência da reta coragem
De se admitir falível.
Todos somos super-heróis,
Verdadeiros Aquiles frente à Tróia de nossos sonhos.
Puro delírio, somente isso
E mais absolutamente nada.
Nosso travesseiro se mancha com o mofo de nossas lágrimas
E nossos lençóis conhecem nossa insegurança
Mais perfeitamente que o coração de nossas mães.
Quem somos nós senão o produto de nossos delírios?

Agora me aquieto,
Pois meu pensamento é como chuva de verão.
Passou o tormento e chega de me aniquilar.
Basta de tudo. Basta…
A mente já não pensa.
Vem uma canção. Ela me nina.
Assim durmo.
Braços me envolvem,
Não sei se asas de anjos.
Não importa.
Somente quero aconchego.

S. Quimas

 
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Publicado por em fevereiro 8, 2016 em Poesia

 

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Eu não deixo retratos

 

Albrecht Dürer - Autorretrato

Albrecht Dürer – Autorretrato

Eu não deixo retratos
De minha perdida vida em três por quatro…
Eu escancaro na mais alta resolução
O incompreensível de todas as minhas incertezas.
Não ando em sombras que possam velar
O sinal inexorável de minha pequenez.
Ao contrário, se chagas eu tenho,
Se maculado ou o que eu tenha,
Grito ao mundo toda a minha controvérsia.
Alguém me creu são?
Ah, me perdoem os dissimulados!
Onde haveria sanidade em quem a poesia possuiu?
Sanidade é para gente reta,
Não para quem, poeta,
Faça tal coisa: poesia.

Tem-se do poeta uma imagem muito lírica.
Vive ele alçado ao Olimpo,
Convivendo entre deuses.
Mal se sabe a sua sorte
E o fardo que carrega.
— Vês ali? É um poeta…
— Oh! Tanta beleza…

Não digo que belezas e sentimentos sublimes não há.
Não haveria de ser de outra forma,
Pois poeta é assim:
Cata migalhas de algum bom sentimento do mundo
E chafurda em sua excrecência.

Ah, como são doces e perfumosas as flores,
Quão belo o dia que nasce iluminado,
O hálito da terra quando cai a chuva…
Quanta beleza, quanta imensa beleza.

O mundo se colore de cores.
Cada um e ser tem sua sensibilidade.
Uns percebem, outros limitados, não.
Será somente o mundo o que se percebe?
Não haverá uma alternativa aos sentidos?

A noite caiu…
Agora as estrelas riem do meu fado.
Grandes prostitutas! Levianas!
Digo-lhes: as estrelas não passam disso.
Foram existidas (perdão, mas sigo)
Para durarem imensamente.
Porém, têm uma vida monótona.
Iluminam, alimentam umas bolinhas
Parasitadas por umas criaturas ínfimas,
Essas que dão o nome de vida.

Talvez eu esteja certo em muitas coisas
E em outras não.
Mas o certo pelo certo e o errado por outro,
Resolve-se na constatação da imprecisão
Do que são todas as certezas,
Sejam elas religiões, filosofias, ciências,
E acima de tudo o que penso.
Nada disso vale tostão furado,
Pois tudo se transforma e a mente se alarga
E o que era hoje…
Certamente amanhã não será.
Ou será?

Quem se dá o trabalho de ler os meus garranchos
Deve muito em fazer o sinal da cruz.
Chega de martírio:
Regurgitar o próprio vômito de suas memórias
Já é um enorme padecer.

S. Quimas

 
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Publicado por em fevereiro 4, 2016 em Poesia

 

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